domingo, 19 de abril de 2015

BEIJO 2

Lembro-me tão bem deste dia
15 de Agosto de 1991
a minha vida tinha chegado a uma encruzilhada
tantos caminhos
e sem saber qual seguir
perguntava ao meu coração
"que queres tu da vida?"
"para onde queres tu seguir?"
apenas o sentia dizer:
"quero muito ..."
mas nunca dizia o quê
provavelmente seria algo que ainda não conhecia
por isso não sabia o que queria.
Tinha sido por isso que tinha vindo a esta "Peregrinação"
Ansiava respostas para as minhas dúvidas e indecisões
que me fosse revelado um caminho a seguir.
Lisboa, San Sebastian, Tours, Frankfurt, Cracóvia ...
e finalmente Czestokowa.
Fazia calor naquele dia
não só pelo que me era oferecido pelo Sol
mas também pela alegria de milhares de jovens que ali se encontravam
eram de todas as nacionalidades
enchiam o recinto de Jasna Góra
e toda a longa avenida até à praça Ignacego Daszynskiego onde me encontrava
o som das violas e dos batuques era contagiante
todos reunidos em grupos por nacionalidade
que ao fim de algum tempo de transformavam em pequenos subgrupos interraciais
unidos por um só espírito
o da alegria e da paz
o meu grupo desmembrou-se em vários subgrupos
sabíamos apenas que no dia seguinte tínhamos que estar todos num determinado local
ás 12:00 para apanhar o transporte para Varsóvia
até lá éramos livres de viver a festa da Juventude nas ruas de Czestokowa
fiquei num subgrupo de cerca de 8 tugas que de imediato se juntaram a outro vindo de Madrid
a empatia com os espanhóis era evidente,
despertou-me a atenção um pequeno grupo de polacos que estava próximo,
mais contidos mas que emanavam uma tranquilidade e uma paz irresistível
- "Ó pessoal, vão ficar por aqui? Eu vou ali ter com aqueles polacos, se forem embora avisem, ok?"
Procurei meter conversa
fui de imediato aceite com enormes sorrisos
percebi que nenhum me entendia mas que isso para eles era indiferente
- "any of you speak english ?"
um rapaz louro (na verdade todos eram) e com um ar tranquilo
levantou a mão "I do my brother"
sentei-me próximo dele e fui falando
ficou oficialmente o interprete do grupo
e eu o centro das atenções
eram do Sul da Polónia, Krosno
tinham saído de madrugada para estar ali,
ao fim de varias perguntas e respostas de ambas as partes
e sempre com o jovem tradutor pelo meio
um sorriso com cara de anjo despertou a minha atenção
rosto redondo, limpo, cabelos louros aos caracóis
um Anjo em forma de jovem mulher
não eras a mais bonita e vistosa do grupo
mas foste a que me tocou o coração
senti que o acariciavas
perguntei-te o nome
e da tua boca saiu um som doce e celestial "mam na imie TP"
a partir daquele momento a conversa passou a ser a três
eu tu e o teu amigo tradutor
explicaste quem eras,
que querias ser educadora infantil
casar e ter muitos filhos
ter uma família,
falei-te de mim, quem era, de onde vinha, etc,
por fim o tradutor virou-se para outro lado
e começou a tocar viola e a cantar acompanhado do resto do grupo
ficamos só nós no meu daquela imensidão de gente
ainda tentei explicar que falava português, espanhol, inglês, francês e ainda entendia italiano
sorriste, encolheste os ombros e disseste "polskim i rosyjskim".
a partir daquele momento a comunicação passou a ser por gestos e com desenhos
funcionou
passaram as horas já era de noite
os batuques e as violas continuavam mas agora de um modo mais suave
o meu grupo de tugas veio ter comigo
"Como é ? Olha nós vamos mais para próximo da Catedral e devemos ficar a dormir por lá"
Expliquei-te que tinha de ir mas que voltava na manhã seguinte antes de partir
agarraste-me o braço e disseste com doçura: "zostan ze mna, prosze, "
não precisei de tradutor
"Malta eu fico aqui, encontra-mo-nos amanhã, no ponto de encontro"
Fiquei,
ficamos os dois encostados um ao outro a ouvir os sons que ora vinham de um lado ora de outro
umas vezes de musica outras de orações dos mais devotos.
adormecemos ...
Acordei enrolado no meu caco cama logo ao raiar dos primeiros raios do Sol
muitos dormiam ainda estendidos nos sacos seus cama
na praça e ao longo da avenida,
tu também,
no teu saco cama ... ao meu lado
fiquei a ver-te
cara de anjo doce
linda e pura
por fim acordaste
sorriso envergonhado "dzien dobry"
"bom dia TP "respondi
ficamos a olhar um para o outro
por fim deste uma gargalhada e apontaste para o meu cabelo
estava todo despenteado por ter dormido com a cabeça em cima da mochila
molhei o cabelo com agua e tentei pentear-me envergonhado
aproximaste-te e com as tuas mãos ajeitaste-me o cabelo
depois esticaste o polegar em sinal de aprovação
arrumamos a os sacos camas e as mochilas
o teu grupo continuava ali
o meu ... sei lá onde andava
fizeste sinal a perguntar quando tinha até me ir embora
escrevi num papel 11:30
levantaste-te e deste-me a mão e disseste: "chodz ze mna"
deixei-me levar por ti
andamos pelas ruas de Czestokowa de mão dada
ias falando sempre
apontavas para um lado e para o outro
explicando alguma coisa presumo eu
não percebia nada do que dizias
mas o importante não era perceber o que as tuas palavras diziam
mas sim o efeito que a sua doçura produzia em mim
PAZ
deixei-me levar
nem sei quanto tempo
o tempo deixou de existir
enquanto andávamos de mão dada, tu falavas e eu escutava
sentia a doçura da tua voz e o calor da tua mão
por fim voltamos ao local de partida
o teu grupo esperava-te
apontaste para o relógio
11:25
ficámos de mão dada olhos nos olhos
assim
algum tempo
talvez os 5 minutos que faltavam
na verdade não sei
como dizer adeus?
disseste tu:"do widzenia, moj przystojny"
e ao mesmo tempo aproximamos o rosto
os nossos lábios tocaram-se numa leve e breve pressão
suavemente,
os nossos corações também se tocaram, deixando uma doce marca um no outro
afastei-me lentamente até as nossas mão se separarem
sorriste com a tua cara de anjo
segui rua acima deixando-te para trás
por duas vezes me virei
por duas vezes te vi imóvel a sorrir
cara de anjo
até que virei a esquina
...
se eras mesmo um anjo
não sei
mas a partir daquele dia
o meu coração ficou a saber que caminho seguir
o que afinal tanto queria:
Amar uma mulher, ter filhos, uma família e confiar em Deus.

Sabes TP,
de vez em quando penso que tudo isto não passou de um sonho
mas quando vejo as tuas fotos e as cartas (em polaco) que me escreveste
sei que foi real.

Será que um dia nos voltaremos a cruzar?







1 comentário:

lugar lotado disse...

Tão doce, tão terno, tão puro em tudo real!

Suspiro...